Primeiramente, importa fazer uma breve referência ao princípio da
legalidade. Isto porque será um limite muito importante à discricionariedade,
além de existir uma doutrina que defende logo à partida que a
discricionariedade é uma exceção a este princípio.
Hoje em dia, o princípio de legalidade já não se
refere somente ao seguimento da letra da lei formal e material (como
anteriormente) mas sim ao Direito no geral (jurisprudência e doutrina
inclusive), algo muito mais abrangente. Este princípio, que se encontra
consagrado no art. 266º da CRP e no art. 3º do CPA, determina a relação entre
as condutas da administração pública e do Direito. Este contém dimensões
distintas: a preferência de lei – que tem como função vedar a administração
pública à lei, isto é, quando face a uma situação em que determinada decisão
possa contrariar o Direito vigente, a administração terá de preferir a opção
legal -; e a reserva de lei – que exige que a atuação administrativa tenha um
fundamento na lei.
No entanto, a este princípio de legalidade está
inerente uma ligação direta à Margem de Livre Decisão - espaço de liberdade
para a atuação administrativa dada pela lei e limitado pelo bloco de
legalidade. Dentro desta existe uma divisão entre duas modalidades:
discricionariedade – liberdade conferida por lei à administração para que esta
escolha entre varias alternativas de atuação jurídica admissíveis (que por sua
vez se divide em três - de ação, escolha entre agir ou não agir; de escolha,
quando existem possibilidades de atuação; e de criação, da atuação concreta
dentro dos limites jurídicos aplicáveis) -; e a margem de livre apreciação -
liberdade que a lei concede à administração para apreciar certas situações que
dizem respeito aos pressupostos das suas decisões que consiste numa escolha.
Pelo facto de se autointitular de “livre”, desde logo é criticada pelo professor
Vasco Pereira da Silva que não concorda com o rótulo imposto, defendendo que
não é livre porque é limitada pelos princípios, além do facto de incluir
vinculações. Na verdade, a palavra livre impõe que exista uma liberdade, um
arbítrio, que não é real, no sentido de que a administração normalmente faz uma
escolha (p.e. entre A e B), na qual não está expressamente definida na lei, mas
à qual está limitada. É neste sentido também que existem autores a defender que
não é uma exceção ao princípio da legalidade, dado que o legislador já a
previu.
“O poder discricionário não é uma exceção ao princípio
da legalidade, mas sim uma das formas possíveis de estabelecer a subordinação
da Administração à lei.”
- Freitas do Amaral
O poder discricionário – atos praticados perante a
discricionariedade -, como referi anteriormente acima, mostra a liberdade
conferida por lei à administração para que esta escolha entre varias
alternativas de atuação jurídica admissíveis. Este poder enquadra-se na matéria
de princípios constitucionais – art. 266º CRP, visando assegurar o tratamento
equitativo dos casos individuais, não sendo um poder arbitrário, devido ao
facto de ser um poder derivado da lei. Só pode ser exercido por quem a lei
atribuir competência, para o fim que a lei confere e deve ser exercido de
acordo com certos princípios jurídicos de atuação.
A discricionariedade vem mostrar como a atividade
administrativa nem sempre é precisa, o professor Freitas do Amaral admite-a
mesmo como imprecisa. Isto porque, na sua lógica existem duas formas típicas
pelas quais a lei ajusta a atividade da administração pública: a vinculação -
quando está previsto na lei -, e discricionariedade - quando o seu exercício de
escolha fica sob critério do respetivo titular-, vendo ambas as formas numa
perspetiva de ato, considerando que os atos seriam vinculados quando eram
praticados pela administração no exercício dos seus poderes vinculativos e
discricionários quando praticados no exercício dos seus poderes
discricionários. É importante definir o poder vinculado, o exercício do poder
administrativo nas situações em que este exercício é feito tal e qual é
referido pela lei (os elementos necessários para o exercício do poder
administrativo estão previstos na lei, p.e., a prática de um ato
administrativo). No poder discricionário, há margem de apreciação. Todavia, não
é correto distinguir, de forma absoluta, poder vinculado e poder
discricionário. Devemos falar sim em predominantemente discricionário e
predominantemente vinculado, na medida em que existem elementos que estão
sempre previstos na lei. Pelo menos, a competência e o fim têm de estar sempre
presentes na lei. O poder discricionário não é um poder livre, por, como já
mencionado, estar limitado por todos os princípios existentes na administração,
principalmente pelo princípio da legalidade que é a grande linha de limitação
quanto à margem de livre decisão. Ou seja, esta decisão estará limitada a três
níveis: à decisão do órgão decisório pela sua competência e fim legal, pelos
princípios e regras gerais da administração publica e pelo facto de ter de
estar imperativamente de acordo com o interesse público.
Já o professor Marcelo Rebelo de Sousa, defende que existem
quatro vinculações permanentes na margem de livre decisão: o fim a prosseguir
com a conduta administrativa habilitada; a competência subjetiva para a sua
adoção; a vontade; e a própria existência de margem de livre decisão. Sendo
ilegal o ato que desrespeite alguma destas normas de vinculação.
A atividade da administração está sujeita alguns controlos,
sendo estes: de legalidade (verificam se a administração respeitou ou violou a
lei); de mérito (visam avaliar o bem fundado nas decisões da administração,
independentemente da sua legalidade); administrativos (realizados por órgãos da
administração); e jurisdicionais (desempenhados pelos tribunais).
No entanto, o controlo de legalidade pode ser feito tanto pelos
tribunais como pela administração, enquanto o controlo de mérito só pode ser
feito pela administração (no nosso ordenamento jurídico). Importando referir
que, acerca dos tribunais é essencial relacionar a discricionariedade com o
princípio da separação de poderes. Isto porque será que os tribunais poderão
fazer a fiscalização dum ato discricionário? Sim, mas relativamente aos
elementos vinculados (elementos que a lei prevê). Contudo, haverá controlo dos
tribunais quanto à margem de discricionariedade? Não, quanto aos elementos
discricionários não existe fiscalização em razão do princípio da separação de
poderes, o juiz não se pode substituir à administração
Sem prejuízo, de que existem os princípios como limite:
isto quer dizer que quando a discricionariedade violar algum dos princípios,
poderá a margem de apreciação ser fiscalizada. Podemos então concluir que um
ato administrativo discricionário pode ser impugnado com fundamento: no vício
de forma (omissão de formalidades essenciais), na incompetência (a competência
do órgão é sempre vinculada), na violação à lei (limites impostos ao poder
discricionário) e nos defeitos da vontade.
Andreia Mariana Simões
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