quarta-feira, 4 de maio de 2016

Discricionariedade

Primeiramente, importa fazer uma breve referência ao princípio da legalidade. Isto porque será um limite muito importante à discricionariedade, além de existir uma doutrina que defende logo à partida que a discricionariedade é uma exceção a este princípio.

Hoje em dia, o princípio de legalidade já não se refere somente ao seguimento da letra da lei formal e material (como anteriormente) mas sim ao Direito no geral (jurisprudência e doutrina inclusive), algo muito mais abrangente. Este princípio, que se encontra consagrado no art. 266º da CRP e no art. 3º do CPA, determina a relação entre as condutas da administração pública e do Direito. Este contém dimensões distintas: a preferência de lei – que tem como função vedar a administração pública à lei, isto é, quando face a uma situação em que determinada decisão possa contrariar o Direito vigente, a administração terá de preferir a opção legal -; e a reserva de lei – que exige que a atuação administrativa tenha um fundamento na lei.

No entanto, a este princípio de legalidade está inerente uma ligação direta à Margem de Livre Decisão - espaço de liberdade para a atuação administrativa dada pela lei e limitado pelo bloco de legalidade. Dentro desta existe uma divisão entre duas modalidades: discricionariedade – liberdade conferida por lei à administração para que esta escolha entre varias alternativas de atuação jurídica admissíveis (que por sua vez se divide em três - de ação, escolha entre agir ou não agir; de escolha, quando existem possibilidades de atuação; e de criação, da atuação concreta dentro dos limites jurídicos aplicáveis) -; e a margem de livre apreciação - liberdade que a lei concede à administração para apreciar certas situações que dizem respeito aos pressupostos das suas decisões que consiste numa escolha. Pelo facto de se autointitular de “livre”, desde logo é criticada pelo professor Vasco Pereira da Silva que não concorda com o rótulo imposto, defendendo que não é livre porque é limitada pelos princípios, além do facto de incluir vinculações. Na verdade, a palavra livre impõe que exista uma liberdade, um arbítrio, que não é real, no sentido de que a administração normalmente faz uma escolha (p.e. entre A e B), na qual não está expressamente definida na lei, mas à qual está limitada. É neste sentido também que existem autores a defender que não é uma exceção ao princípio da legalidade, dado que o legislador já a previu.

“O poder discricionário não é uma exceção ao princípio da legalidade, mas sim uma das formas possíveis de estabelecer a subordinação da Administração à lei.”
- Freitas do Amaral

O poder discricionário – atos praticados perante a discricionariedade -, como referi anteriormente acima, mostra a liberdade conferida por lei à administração para que esta escolha entre varias alternativas de atuação jurídica admissíveis. Este poder enquadra-se na matéria de princípios constitucionais – art. 266º CRP, visando assegurar o tratamento equitativo dos casos individuais, não sendo um poder arbitrário, devido ao facto de ser um poder derivado da lei. Só pode ser exercido por quem a lei atribuir competência, para o fim que a lei confere e deve ser exercido de acordo com certos princípios jurídicos de atuação.

A discricionariedade vem mostrar como a atividade administrativa nem sempre é precisa, o professor Freitas do Amaral admite-a mesmo como imprecisa. Isto porque, na sua lógica existem duas formas típicas pelas quais a lei ajusta a atividade da administração pública: a vinculação - quando está previsto na lei -, e discricionariedade - quando o seu exercício de escolha fica sob critério do respetivo titular-, vendo ambas as formas numa perspetiva de ato, considerando que os atos seriam vinculados quando eram praticados pela administração no exercício dos seus poderes vinculativos e discricionários quando praticados no exercício dos seus poderes discricionários. É importante definir o poder vinculado, o exercício do poder administrativo nas situações em que este exercício é feito tal e qual é referido pela lei (os elementos necessários para o exercício do poder administrativo estão previstos na lei, p.e., a prática de um ato administrativo). No poder discricionário, há margem de apreciação. Todavia, não é correto distinguir, de forma absoluta, poder vinculado e poder discricionário. Devemos falar sim em predominantemente discricionário e predominantemente vinculado, na medida em que existem elementos que estão sempre previstos na lei. Pelo menos, a competência e o fim têm de estar sempre presentes na lei. O poder discricionário não é um poder livre, por, como já mencionado, estar limitado por todos os princípios existentes na administração, principalmente pelo princípio da legalidade que é a grande linha de limitação quanto à margem de livre decisão. Ou seja, esta decisão estará limitada a três níveis: à decisão do órgão decisório pela sua competência e fim legal, pelos princípios e regras gerais da administração publica e pelo facto de ter de estar imperativamente de acordo com o interesse público.

Já o professor Marcelo Rebelo de Sousa, defende que existem quatro vinculações permanentes na margem de livre decisão: o fim a prosseguir com a conduta administrativa habilitada; a competência subjetiva para a sua adoção; a vontade; e a própria existência de margem de livre decisão. Sendo ilegal o ato que desrespeite alguma destas normas de vinculação.

A atividade da administração está sujeita alguns controlos, sendo estes: de legalidade (verificam se a administração respeitou ou violou a lei); de mérito (visam avaliar o bem fundado nas decisões da administração, independentemente da sua legalidade); administrativos (realizados por órgãos da administração); e jurisdicionais (desempenhados pelos tribunais).

No entanto, o controlo de legalidade pode ser feito tanto pelos tribunais como pela administração, enquanto o controlo de mérito só pode ser feito pela administração (no nosso ordenamento jurídico). Importando referir que, acerca dos tribunais é essencial relacionar a discricionariedade com o princípio da separação de poderes. Isto porque será que os tribunais poderão fazer a fiscalização dum ato discricionário? Sim, mas relativamente aos elementos vinculados (elementos que a lei prevê). Contudo, haverá controlo dos tribunais quanto à margem de discricionariedade? Não, quanto aos elementos discricionários não existe fiscalização em razão do princípio da separação de poderes, o juiz não se pode substituir à administração

Sem prejuízo, de que existem os princípios como limite: isto quer dizer que quando a discricionariedade violar algum dos princípios, poderá a margem de apreciação ser fiscalizada. Podemos então concluir que um ato administrativo discricionário pode ser impugnado com fundamento: no vício de forma (omissão de formalidades essenciais), na incompetência (a competência do órgão é sempre vinculada), na violação à lei (limites impostos ao poder discricionário) e nos defeitos da vontade.

Andreia Mariana Simões
25779

Sem comentários:

Enviar um comentário