sábado, 30 de abril de 2016

Poderão os Tribunais Administrativos e Fiscais anular actos e/ou contratos administrativos em virtude da inobservância do Princípio da Boa Administração? – Análise sinóptica do Princípio da Boa Administração

I. O título da presente publicação pronuncia uma interpelação que tem levantado crispações doutrinárias quanto à invocabilidade jurisdicional do famigerado e mediático Princípio da Boa Administração, consagrado na ordem jurídica pátria pela entrada em vigor do novo Código de Procedimento Administrativo [doravante “CPA”], estando fora de horizonte qualquer consensualização na doutrina. Propomo-nos, numa primeira fase, a explorar sinopticamente as vicissitudes do Princípio da Boa Administração e, numa última fase, pretendemos, se possível, dar resposta com completude à questão que serve de monte a esta reflexão.

II. Primeiramente, torna-se imperativo salientar que o legislador do CPA quis deixar claro que a introdução, no novo Código, do Princípio da Boa Administração é a primeira de entre as “inovações significativas” no concernente em matéria de princípios da actividade administrativa, como resulta do n.º 5 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, autorizado pela Lei n.º 42/2014, de 11 de julho, mas mais adiante o legislador ainda refere que foi sensível aos desidratos da doutrina e do Direito Comparado ao comtemplar esta solução no CPA – refira-se, neste âmbito, o legislador foi beber ensinamentos da doutrina italiana, e recorde-se, também que, ao nível do Direito Comunitário e apesar de estar plasmado com formulação distinta, o princípio em análise, encontrou “honras de contemplação” no articulado da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 41º) a vigorar com carácter vinculativo ex vi do n.º 1 do artigo 6º do Tratado da União Europeia. Também, com a leitura do preâmbulo do supramencionado diploma é-nos permitido verificar que o princípio em apreço, resulta de uma fusão e concretização, no plano infra-constitucional, dos princípios constitucionais da eficiência, da aproximação dos serviços das populações e da desburocratização (artigo 267º, n.º 1 da Lei Fundamental). Entrando na análise do artigo 5º do CPA, vislumbra-se uma certa “irmandade invertida” com o artigo 10º do CPA de 1991 (sob epígrafe “Princípio da desburocratização e da eficiência”), na medida em que este artigo 10º tinha uma redacção semelhante com a do seu homólogo parcial do CPA de 2015 mas numa lógica legística oposta, isto é, “a celeridade, a economia e a eficiência” das decisões eram vistas como fruto de uma Administração Pública desburocratizada e próxima das pessoas, mas agora são ditos como critérios e fins do modo organizatório da Administração.
A doutrina, antes da entrada em vigor do CPA de 2015, referia que a Administração está sujeita a um dever de boa administração ou dever de bem administrar, encontrando-se obrigada a pesquisar sempre a melhor solução – a solução mais expedita, mais racional, mais económica e mais eficiente – para o interesse público, contudo, trata-se de um dever jurídico imperfeito pois inexiste qualquer sanção jurídica associada à inobservância desse dever. Contudo, a tendência tem sido a da autonomização de certos deveres que outrora eram considerados integrantes do dever de boa administração, como por exemplo, o Princípio da Proporcionalidade. Com efeito, o alcance dogmático dado pela doutrina ao dever de boa administração é muito mais ambicioso daquilo que é resultante da redacção do artigo 5º do CPA, neste sentido, alguns autores advogam que a boa administração, por exemplo, impõe um dever de respeito pelos direitos dos particulares e o dever de protecção e preservação dos bens públicos, ora, com efeito, é também esteira que alguns avançam no sentido de colocarem o Princípio da Boa Administração como ponto nevrálgico para um processo de analogia, na eventualidade da existência de lacunas em qualquer legislação administrativa.
Ora, feita esta abordagem, resta-nos saber se este princípio, a par de outros que traduzem comandos imperativos do modo de actuação da Administração, reveste um conteúdo norteador do agir administrativo, ou se, por outro lado, afigura-se como um princípio programático que aspira chegar à meta da normatividade. A nossa ver, salvo melhor opinião em contrário, o Princípio da Boa Administração apresenta-se como um padrão normativo que vincula a Administração a procurar a melhor solução – um dever – para o interesse público. Muito embora, a aferição exacta dos critérios de eficiência, economicidade e celeridade releve para a sede meta-jurídica, importa-nos aferir como e em que medida esses mesmos critérios estão abrangidos pelo controlo jurisdicional. Todavia, deste logo, impera frisar que a arquitectura jurídica do princípio não é condição sine qua non de uma disposição integral por parte do julgador, sob pena da violação do Princípio da Separação e Interdependência dos Poderes (artigo 111º da Lei Fundamental e n.º 1 do artigo 3º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), veja-se o exemplo da situação em que um acto administrativo seria impugnado judicialmente e cuja fundamentação alicerçaria-se na violação do Princípio da Boa Administração, no plano do mérito da respectiva actuação.

III. Aludindo ao que já fora referido supra, é do nosso entender que a determinabilidade exacta dos critérios enunciados pelo Princípio da Boa Administração implica juízos que extravasam o papel configurado para o juiz administrativo cujo raciocínio assenta na análise de matérias factuais e jurídicas e na aplicação da Lei e do Direito, algo que não se coaduna, e até, em certa medida, se incompatibiliza com juízos técnicos (não jurídicos) e de prognose, o que, por conseguinte, levaria que uma intervenção judicial que tivesse em vista a anulação de um acto em virtude do não cumprimento dos critérios técnicos estabelecidos no n.º 1 do artigo 5º do CPA, a título ilustrativo, pelo exíguo grau de celeridade levado a cabo pela actuação da Administração, conduziria a uma interferência, à margem da Constituição, do poder judicial na função administrativa, pese embora, um juízo posterior de resultados seria perfeitamente um juízo jurídico, na medida, em que, por exemplo, se poderia responder à seguinte questão “este acto não foi célere?” – o que num juízo técnico seria “em que medida e como é que não foi célere?”, e é este juízo técnico que importa para, por exemplo, a apreciação da culpa do serviço no âmbito da responsabilidade civil extracontratual pública da Administração.

Embora seja complexa a tarefa de tomar uma posição rígida e coesa neste diferendo doutrinário, por ainda ser um tema muito em aberto, na nossa opinião, a resposta à paragona de serviu de pano de fundo para esta exposição tem um sentido muito limitado e quase negativo.

Bibliografia:

CASTRO, João Pedro Marques, Princípios da Boa Administração, Eficiência e Economicidade, Escola de Direito da Universidade do Minho, 2015, pp. 18 e ss, maxime, pp. 63 e ss.

MACHETE, Rui Chancerelle, Estudos de Direito Público e Ciência Política, Fundação Oliveira Martins – Centro de Estudos Administrativos, 1991, pp.123 e ss.

OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 76 e 77.

RAIMUNDO, Miguel Assis - «Os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração, em particular», in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo (Org. Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão), Lisboa, 2015, pp. 151 e ss, maxime, pp. 163 e ss.

PINHEIRO, Alexandre Sousa, SERRÃO, Tiago, CALDEIRA, Marco, COIMBRA, José Duarte, Questões Fundamentais para a Aplicação do CPA, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 75 e ss.

          Jurisprudência:

Tribunal de Contas: ACÓRDÃO N.º 15/14 – 3.ª Secção – PL


Tiago Miranda
[26661]

terça-feira, 26 de abril de 2016

Hipótese de Simulação de Julgamento


FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
 
DIREITO ADMINISTRATIVO
 
SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO

 

 

 

            Em 2006, o Instituto de Gestão Financeira e Carência de Equipamentos do Ministério da Justiça vendeu o Estabelecimento Penitenciário de Lisboa (EPL) à empresa pública de imobiliário “Estamos à Venda”, tutelada pelo Ministério das Finanças, a fim de permitir o financiamento urgente da redução do défice público, ficando depois esta encarregada de encontrar um futuro comprador privado para aí instalar um “Hotel de Charme”. Contudo, e dado que não foi encontrada até hoje qualquer alternativa para a recolocação dos presos (então 800, hoje 1400), o referido Instituto está a pagar 2,8 milhões de euros de indemnização anual à “Estamos à Venda”, por não ter conseguido ainda libertar o imóvel vendido.

            O atual Diretor-Geral dos Serviços Penitenciários, em despacho emitido no dia 20 de Abril de 2016, determina a imediata feitura de obras urgentes de reestruturação do EPL, no valor de 2 milhões de euros, “invocando a total falta de condições em que se encontram os reclusos“, ao mesmo tempo que anuncia a futura construção de outras instalações prisionais, no arquipélago das Berlengas, para daqui a 20 anos, tal como publicita o início de conversações com a empresa “Está-se bem”, no sentido de reverte o negócio..

            Os irmãos Metralha (António e Joaquim), que estiveram presos no EPL entre 2012 e 2016, pretendem impugnar esta decisão do Diretor-geral, considerando-se lesados pelas “degradantes condições que aí tiveram de suportar”. Aconselhados pelo seu advogado, alegam a “violação de vários princípios constitucionais, incluindo os da justiça e da boa-administração, nas sucessivas decisões das entidades públicas, todas elas ilegais, e que inquinam a validade do referido despacho”..

 

Quid iuris?

 

 

 

N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das subturmas..

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Princípio da Imparcialidade


O princípio da imparcialidade, contemplado no artigo 266º nº2 da CRP e no artigo 9º do CPA, teve a sua origem no Direito Processual e na jurisprudência, sendo exigida a imparcialidade dos juízes na tomada das suas decisões. Este ideal está também representado na figura humana que representa a justiça, com uma venda nos olhos representativa da imparcialidade face aos casos que lhe sejam apresentados.

A introdução do novo CPA no ordenamento jurídico português veio oferecer ao princípio da imparcialidade, uma autonomização sendo-lhe dedicado um preceito que contempla apenas este principio. Além desta autonomização, foi-lhe atribuído um carácter mais ambicioso onde o legislador veio esclarecer a vertente positiva e negativa do princípio. Importa, no entanto, evidenciar importância e o conteúdo destas vertentes.

Na vertente positiva (ou material) o princípio da imparcialidade exige à Administração Pública o encargo de avaliar “com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório”, isto implica que o órgão que competente para tomar a decisão não pode:

-Ignorar ou desconsiderar qualquer interesse a que a lei conceda relevância para a tomada da decisão (sob pena de um défice de ponderação material)

-Atender aos interesses que, de acordo com a lei, sejam irrelevantes para aquele efeito em concreto (sob pena de desvio de poder)

Repare-se que, a vertente positiva partilha uma forte proximidade com outros princípios reguladores da atividade administrativa, seja por  via do principio da proporcionalidade (ex: uma decisão que não tenha em conta os prejuízos que os interessados sofrerão e consequentemente resultará numa medida excessivamente gravosa face aos benefícios visados com a sua prática) ou por via do princípio da imparcialidade (ex: uma decisão tomada que tenha como fundamento a raça, sexo ou orientação sexual nos casos em que a lei não contemple esses critérios). Com esta vertente, o princípio da imparcialidade é acompanhado pelo dever de fundamentação dos atos administrativos (nº1 do artigo 152º do CPA), pois é através da fundamentação que se torna possível compreender as razões consideradas (ou desconsideradas) pelo órgão decisor na prática do ato administrativo.

No caso da vertente negativa (ou orgânica), que de acordo com a segunda parte do artigo 9º do CPA, obriga a Administração Pública a adotar “as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção”.

 O texto do artigo pretende, na sua essência, sublinhar a preocupação de assegurar que os intervenientes no processo administrativo (nomeadamente os titulares dos órgãos com competência de decisão final) têm reunidas todas as condições para adotarem uma decisão imparcial e livre, por estarem distanciados dos possíveis e variados interesses que serão afetados pela decisão a tomar.

Por outras palavras, ninguém pode ser chamado a decidir sobre uma matéria à qual tenha um interesse próprio (seja pelo interesse do decisor ou por interposta pessoa) que possa por em causa a isenção, ou possa levar qualquer interessado a suspeitar da isenção do decisor, independentemente das motivações que levaram à tomada de decisão (cfr. Artigos 69º a 76º do CPA, sobre as figuras dos impedimentos da escusa e da suspeição).

O novo CPA não só elaborou uma nova formulação do principio da imparcialidade como também reforçou os seus mecanismos de garantia de cumprimento e de reação contra a sua inobservância. É possível extrair esta conclusão do nº1 do artigo 76º do CPA (regra geral de anulabilidade dos atos), mas sobretudo do nº4 do mesmo artigo que permite a aplicação desta anulabilidade, em geral, “quando do conjunto das circunstâncias do caso concreto resulte a razoabilidade de duvida seria sobre a imparcialidade do órgão, revelada na direção do procedimento, na pratica de atos preparatórios relevantes para o sentido da decisão ou na própria tomada da decisão”.





Bibliografia 
 -Comentários ao novo código do procedimento administrativo, coord. Carla Amado Gomes, Ana Neves, Tiago Serrão, 1ª edição, 2015, AAFDL

-Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2ªed, Almedina, 2011



Aluno: Armando Tiago Velho
Nº 26610

 





domingo, 24 de abril de 2016

Breves notas: Princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos




Para prosseguir o interesse público, a Administração Pública está vinculada, pela Constituição da República Portuguesa (artigo 266º nº.1) e pela lei (artigo 4º do CPA), através da identificação dos contornos da necessidade colectiva a satisfazer, da decisão da sua satisfação por processos colectivos e da definição dos termos mediante os quais tal satisfação deve processar-se. A Administração Pública só pode prosseguir o interesse público e é proibida de prosseguir o interesse privado e só pode prosseguir os interesses públicos especificados por lei e quando a lei habilita. Quando não são verificadas estas duas situações, estamos perante uma actuação ilegal por parte da Administração. É proibido pelo principio da prossecução do interesse público, a afectação das posições jurídicas subjectivas dos particulares, levada a cabo com desrespeito pelos parâmetros de juricidade da actuação administrativa. Desta forma, não são permitidas afectações que não estejam legalmente habilitadas por lei (reserva de lei), ou aquelas que contrariem o bloco de legalidade (preferência de lei).

A reter:
1-  Não é nem poderá ser Administração Pública a define os interesses públicos que estão a seu cargo é a lei que define os interesses públicos a prosseguir;
2-  Devido ao facto de a noção de interesse público, ser um conceito variável, o que hoje é considerado um interesse publico amanhã pode não ser;
3 – Logo que seja definido pela lei o interesse publico, cabe à Administração Publica a obrigação de o prosseguir;
4 – O principio da prossecução do interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas
5 -  Só o interesse público definido por lei, pode formar um motivo determinante de qualquer acto por parte da Administração Pública. Caso seja practicado um acto cujo motivo determinante não seja o interesse publico, estamos perante um acto viciado por desvio de poder.
6 -  Constitui corrupção a prossecução de interesses privados em vez de interesses públicos, por parte de qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções administrativas.
7 – O dever de boa administração é a obrigação de prosseguir o interesse público e exige que a Administração Pública adopte para cada caso concreto as melhores soluções possíveis do ponto de vista administrativo.

Bibliografia:
Comentários ao novo código do procedimento administrativo, coord. Carla Amado Gomes, Ana Neves, Tiago Serrão, 1ª edição, 2015, AAFDL, pp. 151 e ss.

          Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª ed.,Almedina, 2011
 
 
Aluna: Raquel Piedade 
nº 26621

 



quarta-feira, 20 de abril de 2016

Princípio da Proporcionalidade


O princípio da proporcionalidade encontra o seu regime jurídico no artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Mas qual terá sido o seu percurso desde o seu nascimento até aos dias de hoje?
Este princípio teve a sua primeira abordagem na Grécia Antiga, onde os filósofos, como Aristóteles e Platão, viam a ideia associada à igualdade e à justiça. Depressa perceberam que a igualdade não poderia ser vista de forma absoluta, mas antes como uma medida justa, levando a que se tratasse o que era igual de forma igual, e o que era diferente de forma diferente.
Após séculos as ideias, dos antigos filósofos foram aprofundadas por autores, como S. Tomás de Aquino e Hugo Grócio, na doutrina da Guerra Justa e da Legitima Defesa.
S. Tomás de Aquino apresenta a primeira decomposição em várias dimensões do princípio, adivinhando, qual seria a sua classificação: tripartida.
Para este autor, para que uma guerra fosse justa e o uso da força legitimo, dever-se-ia observar três requisitos:
“1º. A Guerra deveria ser exercida por uma autoridade, legitimada para tal;
2º. O uso da força deveria ter uma causa justa;
3º. O uso da força não deveria ser excessivo.”
Por sua vez, Hugo Grócio, retomou a ideia da proporcionalidade aplicada ao direito internacional.
No entanto, o autor holandês, não deixou de acrescentar a componente da teologia, o que leva vários autores atuais a afirmarem que foi Grócio a marcar a transição deste conceito para os dias de hoje.
Os anos 50 foram uma época de transição tendo criado, num período pós-guerra, condições propícias para a evolução. O que era um Estado de Direito formal, evoluiu para um Estado de Direito Material, ou seja, um novo Estado que estaria em conformidade com o Direito, não só na sua forma como no seu conteúdo. Levando o papel da proporcionalidade ao que ele é hoje.
Posto isto podemos agora apresentar o significado do verdadeiro principio da proporcionalidade (artigo 7º CPA).
Para o Dr. Vitalino Canas: “O princípio da proporcionalidade é um “princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos atos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjetivamente radicáveis devem-se revelar idóneas e necessárias para atingir os fins legítimos e concretos”.
Já o Prof. Diogo Freitas do Amaral, o conceito é apresentado de forma sucinta: “O Princípio da Proporcionalidade é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”, evidenciando as três dimensões essenciais do principio.
Essas dimensões são:
1.       Adequação
2.       Necessidade
3.       Equilíbrio
A adequação, significa que a medida tomada deve ter em conta, e deve ser ajustada, consoante o fim que se pretende alcançar.
A Necessidade, chama a atenção para aquele fim, ou seja, tem que existir uma medida administrativa idónea, que deve optar por aquela que não prejudica os direitos e interesses dos particulares.
Por fim, o Equilíbrio, ou a Proporcionalidade em sentido estrito, significa que se procura avaliar se determinados atos praticados, na medida em que implica uma escolha valorativa, é correto e válido à luz dos parâmetros materiais, com isto quer-se dizer, que se o sacrifício de certos bens a favor da satisfação de outros é correto e não prejudica os demais.

Em suma:
Se alguma medida concreta não respeitar estes três parâmetros, simultaneamente, ela será ilegal, por desrespeito do principio da proporcionalidade.


_________________________________
Bibliografia

Albuquerque, Martim de - Da Igualdade – Introdução à Jurisprudência, Coimbra: Almedina, 1993.

Amaral, Diogo Freitas do - «Direitos fundamentais dos administrados», in Jorge Miranda, org., Nos dez anos da Constituição, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986.

Canas, Vitalino - «O princípio da proibição do excesso na Constituição: arqueologia e aplicações». In Jorge Miranda, Perspetivas Constitucionais, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, 323-357.


Amaral, Diogo Freitas do - «Curso de Direito Administrativo», Vol. II, Almedina: Almedina Editora, 2014-2ªEdição, 139-146.

domingo, 17 de abril de 2016

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ



ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ


1-        A BOA-FÉ ADMINISTRATIVA

A boa-fé é o único de entre todos os princípios da atividade administrativa cuja teorização pode afirmar-se ter sido importada do direito privado[1]. Presente no artigo 266º, nº 2 da CRP, e no atual artigo 10º do CPA, o seu âmbito de aplicação vincula não apenas a administração pública mas também os particulares que com ela se relacionam. Quer isto dizer que as consequências de um comportamento conforme com a boa-fé podem favorecer qualquer uma das partes da relação. Apresentada pela doutrina[2] como um critério axiológico objetivo de avaliação da conduta, é um princípio essencial para a valorização dos comportamentos leais, corretos e sem reservas na relação com outrem. Assim sendo, deve o Direito dar-lhe a devida importância, atribuindo consequências jurídicas favoráveis a quem proceder de acordo com ela.

Pelo exposto, fica claro que a boa-fé deve nortear toda a atividade da administração pública, sendo que a sua relevância é significativamente superior em relação à atividade contratual da administração, especialmente tratando-se de contratos de direito privado[3]. Sendo certo que assim é, não deixa de ser verdade que também exerce a sua importância no domínio do direito público, muito embora o alcance do princípio seja aqui parcialmente consumido pela relevância de outros princípios gerais de direito administrativo, que não cabe agora tratar, como os da imparcialidade e da proporcionalidade. 

A dupla natureza da boa-fé[4] (objetiva e subjetiva) manifesta-se no direito administrativo na execução dos poderes discricionários atribuídos por lei. Mas, excluindo-se esse aspeto, a boa-fé é um dever maioritariamente objetivo de conduta acertada de acordo com critérios jurídicos. Por outras palavras, se a administração pública atuar de acordo com a ordem jurídica (Bloco de Juridicidade), como se espera que faça, a boa-fé subjetiva esvai-se porque coincide com a objetiva. A discricionariedade, como estudado, não é apresentada pela maioria da doutrina como uma exceção ao princípio da legalidade, podendo-se com isso concluir que até ela se encontra maioritariamente sujeita aos critérios objetivos e não aos subjetivos da boa-fé.   

Sintetizando este ponto, a boa-fé, princípio importado do direito privado, exerce a sua importância essencialmente na relação que ocorre entre os privados e a administração pública e, simultaneamente, entre a administração pública e os privados. A sua atuação não é de sentido único, mas recíproco. De entre a sua dupla natureza (objetiva e subjetiva), a boa-fé objetiva é a que revela maior importância: resultado de todo o Bloco de Juridicidade a que a administração pública está sujeita, mesmo se se tiver em conta a margem de discricionariedade que lhe assiste.


2-        O SENTIDO DA BOA-FÉ

Importa referir que o alcance da boa-fé não justifica apenas consequências favoráveis para a posição jurídica de quem se comporta de modo leal. Quer com isto dizer-se: a boa-fé também implica obrigações! Note-se que, «procedendo de acordo com a boa-fé, a administração pública deve obediência a um vasto conjunto de deveres procedimentais de colaboração com os particulares, de transparência, de celeridade, de informação, entre outros»[5]. Repare-se na dualidade da boa-fé: a boa-fé que habilita a administração pública a tomar decisões, em nome do bem comum, manifestamente incompreensíveis e inesperadas para os particulares, como é o caso da expropriação e das sanções, é a mesma que vincula a administração pública nos vários deveres de prestação. Se esta dualidade ocorre em relação à atuação da administração pública para com os particulares, o mesmo se pode dizer em relação à atuação dos particulares para com a administração pública. Esta perspetiva parece confirmar a importância que o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva atribui à relação jurídica, em prejuízo do ato administrativo, matéria que não nos cabe aqui tratar, mas para a qual remetemos[6].


3-            A BOA-FÉ E OS SEUS EFEITOS

Se é verdade que a boa-fé não se pode sobrepor à legalidade, importa também não esquecer que a ela tem consequências positivas, por exemplo, na manutenção dos efeitos favoráveis ao particular de boa-fé, através da erradicação da retroatividade do ato administrativo. Dito de outro modo, um comportamento leal e correto do particular pode levar a administração pública a modelar a favor daquele os efeitos do ato, mantendo-os, se favoráveis, apesar da nulidade de que padece o ato administrativo. Com isto se quer chamar a atenção que a boa-fé pode justificar uma exceção ao regime dos efeitos retroativos da anulabilidade do ato administrativo, tal como pode conservar os efeitos favoráveis dos atos nulos. Mais a mais, a prova de um comportamento desleal ou incorreto da parte da administração pública, analisando-se os critérios objetivos da boa-fé, pode ter consequências ao nível da ilicitude, gerando-se uma obrigação de indemnizar o lesado por facto ilícito de conduta desleal e incorreta. E se isso pode acontecer em nome da boa-fé, também o particular pode ser sancionado pela administração caso não tenha uma conduta de cooperação e de lealdade, conforme nos indica o artigo 60º do CPA.

Por fim, importa não esquecer, como se pode verificar no nº 2 do artigo 10º do CPA, que para se obterem os efeitos da boa-fé é necessário:

i)          ponderar os valores fundamentais do Direito para o tratamento da relação jurídica;

ii)        que pelo menos um dos intervenientes se encontre 
        de boa-fé;

iii)      avaliar a confiança suscitada na contraparte e o objetivo a alcançar com a relação jurídica que se efetuou.

Assim, se se verificarem cumulativamente estes três requisitos, a boa-fé está em condições de exercer os seus efeitos.


Diogo Vasconcelos Cipriano;
 Nº 25772;
Turma da Noite;
Sub-turma 3.


[1]  Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, Alfragide,2008, pp 220 a 224.

[2]  A densificação do Princípio da Boa-Fé no CPA foi muito influenciada pela construção dogmática apreendida no direito civil pelo Professor Doutor António Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra, 1984).

[3]  Cfr. Luís S. Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo: Anotado, 1º edição, Coimbra, 2015, p. 102.

[4]  Para o Professor Doutor António Menezes Cordeiro, a boa-fé concretiza-se num instituto objetivo e num instituto subjetivo. Aquela manifesta-se pelos princípios, regras, limites, ditames ou, simplesmente, por um modo de atuação dito de “boa-fé”. Por outras palavras, a boa-fé objetiva atua como uma regra imposta do exterior (Bloco de Juridicidade). Por outro lado, na boa-fé subjetiva está em causa um estado do sujeito. Esse estado é caracterizado por um mero desconhecimento de certos factos (boa fé no sentido puramente psicológico), ou como um desconhecimento sem culpa ou uma ignorância desculpável (boa-fé no sentido ético). Ora, a posição do Professor é clara quanto a este assunto: a boa-fé subjetiva é sempre ética, só pode invocar a boa-fé quem, sem culpa, desconheça certa ocorrência.
Para mais desenvolvimentos, Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil: Introdução, Fontes do Direito, Interpretação da Lei, Aplicação das Leis no Tempo, Doutrina Geral, 1º Volume, Coimbra, 2012, pp. 958 a 977.   

[5] Cfr. Luís S. Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo: Anotado, 1º edição, Coimbra, 2015, p. 103.

[6] Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Ato Administrativo Perdido, Coimbra, 1996.