(considerações sobre o procedimento administrativo)
O
Procedimento Administrativo é uma sequência judicialmente ordenada
de atos e formalidades tendentes à preparação da prática de um
ato da administração pública ou da sua execução. O Procedimento
distingue-se assim de processo administrativo - documento ou conjunto
de documentos em que se traduzem os atos e formalidades que integram
o procedimento.
Mas
a grande diferença está no Processo Jurisdicional pois, do ponto de
vista orgânico, o procedimento é da administração pública
enquanto que o processo é do tribunal. Do ponto de vista funcional,
o procedimento visa a prossecução do interesse público inerente à
função administrativa, enquanto que o processo visa o interesse
jurisdicional inerente à função jurisdicional, que é imposta pelo
Principio da Separação de Poderes.
O
Procedimento Administrativo rege-se assim por princípios, alguns
deles plasmados no quadro constitucional no art.º 267, que inclui o
Principio da Eficiência, do interesse público, da proteção dos
direitos subjetivos e interesses dos particulares.
Das
conceções de Otto Mayer, seguidas em Portugal pelo Prof. Marcello
Caetano sobre o Ato Administrativo como centro gravitacional do
Direito Administrativo, surgiram posteriormente, sobre o
procedimento, outras teorizações - o procedimento era apenas a
sequência lógica necessária ao ato.
A
dogmática clássica desvalorizava o procedimento que só realçava a
decisão final, comparativamente à formação da vontade no Direito
Privado, onde se realça a vontade em si, a ação ou omissão e não
a formação da decisão que levou à ação.
A
Doutrina Italiana começou a ver o procedimento como alternativa ao
ato, considerando duas vantagens: a possibilidade de uniformização
do tratamento dogmático de toda a atividade administrativa, onde o
procedimento constitui um fenómeno comum a todos os domínios da
Administração. A segunda vantagem apresentada era a possibilidade
de entendimento da integralidade da atuação administrativa e da
transparência da mesma na sua relação com os privados.
Esta
doutrina defendia, segundo o Professor Freitas do Amaral, era um
valor organizativo, não como uma sequencia de formalidades até a
decisão, mas sim uma oportunidade de relação entre os particulares
e a Administração, dando enfoque aos interesses relevantes.
Weber
alterou o procedimento administrativo de tipo burocrático,
transformando-o, e é hoje visto como uma possibilidade de atuação
dos particulares na procura da melhor solução para o caso concreto,
visando a oportunidade de defender preventivamente a Administração
Pública.
O
que a doutrina italiana realçou foi que o centro do Direito
Administrativo poderia estar, não no ato, mas no procedimento, na
formação da decisão em vez de na própria decisão final.
A
primeira doutrina inicial que considerava o ato administrativo como
centro do Direito Administrativo evoluiu, e dividindo-se em dois
grupos: a doutrina italiana que considera o procedimento como centro,
e a doutrina alemã que considera a relação jurídica como o
conceito central do Direito Administrativo.
Na
visão de Maurice Harriou, seguida em Portugal por Marcello Caetano,
era uma visão negativista pois nega a relevância autónoma do
procedimento considerando a fase graciosa e contenciosa do mesmo. Nos
anos 70 há uma autonomia limitada do procedimento pois, apesar de
autónomo continua a ser submisso perante o ato. Hoje em dia a
doutrina Italiana, entre Mario Nigro e Sabino Cassese adotam a
dimensão de que o procedimento é autónomo, tem dimensão própria,
fundamento e vale por si mesmo.
A
doutrina alemã tem um papel importante no Direito Administrativo
comparado pelo art.º 46º do CPA alemão. Este artigo defende quase
que exatamente o nosso art.º 163º nº5 alínea b) ou seja, se
atingir materialmente o fim o procedimento, a essencialidade do
procedimento é degradado em mera irregularidade. Hoje, apesar do
artigo 46º do CPA alemão continuar em vigor, já não se aplica na
Alemanha, no entanto, o legislador português .
Em
Itália não há Código de Procedimento Administrativo, havendo
apenas leis avulsas que regulam o procedimento, em contrapartida
Portugal tem um CPA (além do CCP e leis avulsas que também regulam
procedimentos especiais) que, mais do que o procedimento, regula as
relações substantivas entre os particulares e a administração,
chegando a ser quase um código administrativo.
A
posição adotada pelo Professor Vasco Pereira da Silva passa por
concordar que se deveria olhar para o art.º 163º nº5 alínea b)
como a Alemanha olha para o seu art.º 46º do CPA alemão,
interpretando no quadro das relações substantivas dos particulares
com a administração.
A
doutrina ainda se divide em dois aspetos, o primeiro no equilibro
entre as vantagens e desvantagens de codificação do procedimento, a
segunda quanto ao facto de procedimento ser processo.
O
Prof. Rogério Soares enuncia desvantagens, como a cristalização de
soluções, e algumas vantagens, como a maior eficácia, defesa dos
particulares e incentivo à participação dos particulares. O Prof.
Freitas do Amaral discorda e argumenta que a regulação do
procedimento é uma exigência constitucional pelo art.º 267, nº4
CRP. Já o Prof. Vasco Pereira da Silva concorda com Freitas do
Amaral e ainda adianta que é um meio de defesa dos privados perante
a administração pública, no quadro das relações jurídicas
administrativas.
O
Professor Marcello Caetano defende a tese processualista, que compara
o procedimento ao processo, equiparando a função administrativa com
a função judicial enquanto funções secundárias de aplicação ao
caso concreto. Comparando as duas funções, Marcello Caetano compara
a função administrativa à judicial, que o autor assemelha com a
doutrina francesa do “administrador-juiz” e da conceção rígida
da Separação de Poderes. O Prof. Marcello Caetano considera que a
atividade administrativa é principalmente uma atividade processual,
como tal o ato é definitivo e executório. A Administração aplica
autoritariamente a lei no caso concreto, decidindo sobre as
pretensões dos particulares, daí a palavra “graciosa” quando há
impugnação. O Professor Freitas do Amaral considera errada a
expressão “graciosa”, que muitos anos foi usada como “processo
ad gracioso”, oriunda dos tempos que o rei concedia, por graça, os
direitos pedidos aos particulares.
A
tese anti processualista que é defendida por Prof. Afonso Queiró e
Prof. Rogério Soares, apontando como argumentos a nova realidade
que, enquanto funções executivas que aplicam a lei ao caso
concreto, são funções diferentes, uma administrativa e outra
jurisdicional. A Administração Agressiva passou a ser Administração
Social e Infraestadual, como tal, o procedimento não é imutável,
deve antes ser parte de uma realidade flexível tendo em função a
decisão do caso concreto.
A
escola de Lisboa foi assim influenciada tanto pela visão clássica
alemã de Otto Mayer, que constrói o ato administrativo como centro,
equiparando-o a uma sentença judicial; como do positivismo jurídico,
que vê os atos administrativos e os atos judiciais como a aplicação
do Direito, como pela doutrina italiana que vê o procedimento como o
centro onde é fundada a decisão para o ato.
Segundo
o Prof. Freitas do Amaral os princípios fundamentais do procedimento
administrativo são seis:
O
primeiro é o caráter escrito, pois a Administração não se
compadece com a forma verbal principalmente para conservar e
assegurar o registo completo do que se fez, mas sempre observando o
corolário da celeridade, eficiência e desburocratização do
Principio da Boa Administração.
Outro
principio fundamental é o inquisitório, o que se traduz pela
administração poder iniciar oficiosamente o procedimento, além da
iniciativa particular, pois decorre da função administrativa de
prosseguir o interesse público, conjugado com a colaboração da
Administração com os particulares, consagrado no art.º 7º do CPA.
O
Direito de informação aos particulares que o Prof. Marcelo Rebelo
de Sousa enuncia como principio da publicidade, encontra-se previsto
na fase procedimental e inclui o direito à consulta do processo e do
arquivo.
O
mais importante principio é da participação dos particulares na
formação das decisões que lhes respeitem e que constitui uma
projeção especifica do principio da boa fé e da participação.
O
Principio da Gratuitidade é que o procedimento administrativo,
exceto lei especial, é tendencialmente gratuito.
Por
ultimo, o dever de decisão da Administração Pública,
principalmente em todos os casos quando é pedida pelos particulares,
a Administração tem de se pronunciar, não havendo margem para
discricionariedade de ação.
O
Procedimento tem requisitos, entre os quais a capacidade do
requerente (capacidade jurídica de exercício ou por representante
voluntário ou legal), a legitimidade do requerente (possibilidade de
agir em determinada situação), a competência do órgão
administrativo, no prazo (que não tenha caducado ou prescrito).
Existem
vários tipos de procedimento, de iniciativa pública ou privada, por
exemplo a abertura de concurso público ou o pedido de uma licença;
procedimentos decisórios que tem como fim preparar a pratica de um
ato e procedimentos executórios, aqueles que não levam à decisão,
mas que produzem efeitos quase no imediato, exemplo clássico é de
quando a Administração Pública avança com a demolição de um
edifício em risco de ruir.
O
Procedimento Decisório é composto por fases: a fase inicial pode
ser por iniciativa pública, e nesse caso a Administração comunica
ao particular, ou por iniciativa particular, como previsto no art.
53º do novo CPA de 2015, através de requerimento escrito à
Administração (art. 102º CPA).
Os
procedimentos são ainda comuns quando regulados no CPA e especiais
quando regulados em lei especial.
Na
fase da instrução delimita-se o órgão competente na decisão
final, sendo, no entanto, permitido que este delegue a instrução
num subalterno ou, tratando-se de órgão colegial, num dos seus
membros. Há alguma confusão no artigo, pois parece que a regra que
vem no numero um é logo excecional quando se lê o numero dois do
art. 55º.
O
Responsável pela direção do procedimento é o órgão competente
para a decisão final, previsto no art.55º e que dá inicio à fase
da Instrução. Olhando para o art.º 55º nº1 com a epigrafe
“responsável” e comparando com o nº2 do mesmo artigo,repara-se
que o responsável delega ao inferior hierárquico e denota-se uma
clara contradição, ou seja, afirma-se um principio e logo em
seguida uma delegação obrigatória. Pergunta-se qual é o sentido
de fazer primeiro a exceção e depois a regra.
É
nesta parte do procedimento que a Administração tem o dever de
averiguar oficiosamente todos os factos relevantes para a tomada de
decisão, podendo assim recorrer a todos os meios de prova admitidos
em direito. A instrução está prevista nos art.115º e ss, cabendo
aos interessados provar os factos que tenham alegado sem prejuízo
que o responsável pelo procedimento possa determinar aos
interessados prestação de provas.
A
Administração pode ainda solicitar pareceres, que são opiniões
formuladas por especialistas em matérias sobre as quais incide a sua
especialidade, podendo ser vinculativos ou não, dependendo se a lei
exige o parecer. Quando os pareceres são vinculativos são uma
formalidade essencial do procedimento pelo art. 91º CPA.
Os
pareceres têm de ser emitidos no prazo de 30 dias, exceto quando o
responsável pela direção do procedimento fixar (mas nunca inferior
a 15 dias nem superior a 45, pela redação do nº 3 e 4 do art. 92º
CPA)
A
fase da audiência dos interessados provém do principio da
colaboração com os particulares e da participação dos
particulares na decisão administrativa. Ocorre principalmente para
que os particulares possam transmitir a sua posição e argumentos e
para que a Administração consiga ter em conta todos os interesses
positivos e negativos relevantes no caso concreto, atendendo ao
principio da imparcialidade.
O
Direito de audiência prévia encontra-se no art.º 121º do CPA,
tendo os particulares de ser informados sobre o sentido provável da
decisão.
O
CPA prevê situações em que há dispensa de audiência dos
interessados no art. 124º, em caso de urgência da decisão, quando
possa comprometer a execução ou utilidade da decisão, quando o
numero de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se
torne impraticável, devendo proceder-se à consulta pública, ou
caso os elementos de facto constantes nas fases do procedimento
conduzirem a uma decisão inteiramente favorável aos interessados de
tal forma que se torne desnecessária a audiência. A audiência pode
ser escrita ou oral, devendo o órgão responsável notificar os
interessados para no prazo não inferior a 10 dias para se
pronunciarem sobre os factos que consideram relevantes para a decisão
em causa.
O
art. 161º do CPA que prevê a nulidade, no seu numero 2, alínea d),
prevê que são nulos todos os atos que ofendam o “conteúdo
essencial de um direito fundamental”. Quando comparado com o nº 5
do art.º 267 da CRP podemos ler “O processamento da atividade
administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a
racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a
participação dos cidadãos na formação das decisões ou
deliberações que lhes disserem respeito”.
A
questão é tentar entender se é a violação de um direito
fundamental não haver audiência prévia dos interessados. A
violação de um direito fundamental consiste em direitos, liberdades
e garantias, no entanto, o Professor Freitas do Amaral faz uma
interpretação restritiva e considera que apenas os direitos ligados
à dignidade da pessoa humana são direitos fundamentais. Outros
autores, dizem que a falta de audiência prévia dos interessados
consiste num vicio de procedimento. Os tribunais administrativos
tendem para a mera anulabilidade,no entanto o Professor Vasco Pereira
da Silva considera que, sendo um direito fundamental consagrado na
Constituição, quando violado é ofensivo ao conteúdo essencial de
um direito fundamental, como tal encaixa no art.º 161, nº2, alínea
d).
O
art.º 163º nº5 alínea b) do CPA que degrada em mera
irregulariedade falhas de procedimento, deve-se aplicar-se sempre que
não esteja em causa a violação dos direitos fundamentais.
A
audiência deveria ser tomada em conta na sua dimensão material.
Segundo a Professora Maria da Glória Garcia, o principio da
prossecução do interesse público obriga a Administração a
ponderar todos os interesse relevantes para a tomada de decisão,
além do reforço dado pelo principio da imparcialidade.
A
realidade material tem sido considerada por duas vias: a doutrina
alemã defende que viola o principio da ponderação e da
razoabilidade como tal é uma ilegalidade material, a doutrina
Italiana, pelo contrário, defende que viola o principio da
imparcialidade, pois a administração pública tem de ouvir os
interessados para considerar os interesses materiais relevantes.
Caso
se verifique em consequência da audiência que há aspetos que
precisam de melhor apuramento, o órgão pode realizar novas
diligências instrutórias, porém, caso altere o sentido provável
da decisão terá de fazer uma nova audiência dos interessados.
Pode
ainda haver uma fase complementar onde são praticados os atos e
formalidades posteriores à decisão como registo, publicação no
DRE ou no boletim municipal ou notificação aos destinatários.
A
decisão final, que normalmente termina em ato administrativo,
extingue o procedimento administrativo. Existem no entanto exceções
em que o procedimento pode não culminar em decisão e extinguir, é
o caso da desistência, renuncia, deserção, inutilidade, falta de
pagamento de taxas ou impossibilidade superveniente.
A
desistência ocorre depois de uma declaração do requerente em não
prosseguir com o procedimento ou caso este não dê seguimento a um
dos pedidos da Administração, exceto se a própria Administração
considere que deva seguir com o procedimento por ser matéria de
interesse público.
A
renuncia é o ato pelo qual o requerente que era titular dos direitos
subjetivos que fazia intenção de com o procedimento exercer, os
nega. Neste caso o particular deixa de ter o direito na sua esfera
jurídica. Exemplificando, um particular pedia uma licença para uma
esplanada do seu restaurante, entretanto deixou de explorar aquele
restaurante, logo não faz sentido continuar o procedimento quando já
não é interessado. Tanto a desistência como a renuncia
encontram-se no art. 131º como causa de extinção do procedimento
por pedido do requerimento.
A
deserção, prevista no art. 132º CPA, é quando o procedimento está
parado por mais de seis meses por motivo imputável ao requerente e a
lei presume que este perdeu o interesse no procedimento.
As
taxas ou despesas, apesar do principio da gratuitidade previsto no
art. 15 do CPA, são sempre inerentes aos requerimentos de iniciativa
particular, ou seja, caso o particular não proceda ao pagamento num
determinado prazo, o procedimento é extinto segundo o art. 133º
CPA, a não ser que o pagamento seja feito pelos particulares, no
dobro da quantia prevista, no prazo de 10 dias seguintes do termo
fixado para o seu pagamento.
Outra
causa de extinção do procedimento é a impossibilidade ou
inutilidade superveniente, prevista no art. 95ª CPA, que contempla
os casos em que se verifique que a finalidade ou o objeto da decisão
se tornaram inúteis ou impossíveis, como tal, o órgão competente
para a decisão pode declarar, desde que fundamentada, a extinção
do procedimento, sendo esta passível de ser impugnada nos termos
gerais
Como
o Professor Freitas do Amaral diz “deu-se uma pequena grande
revolução” que consiste no direito à audiência dos interessados
prevista nos artigos 121º e ss. Hoje em dia os tribunais têm
afastado atos com total preterição de audiência prévia e esta
realidade, nos anos 80, seria completamente utópica.
Com
o artigo 163º, nº5 al. b), evidencia-se nitidamente como o legislador
ainda não se libertou do pensamento “atocêntrico” , degradando
as exigências procedimentais se o fim visado for alcançado por
outra via em mera irregulariedade.
Ana Gavilan, nº25715
Ana Gavilan, nº25715
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