sexta-feira, 20 de maio de 2016

"3, 2, 1.. Ato"

(considerações sobre o procedimento administrativo)

O Procedimento Administrativo é uma sequência judicialmente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparação da prática de um ato da administração pública ou da sua execução. O Procedimento distingue-se assim de processo administrativo - documento ou conjunto de documentos em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento.

Mas a grande diferença está no Processo Jurisdicional pois, do ponto de vista orgânico, o procedimento é da administração pública enquanto que o processo é do tribunal. Do ponto de vista funcional, o procedimento visa a prossecução do interesse público inerente à função administrativa, enquanto que o processo visa o interesse jurisdicional inerente à função jurisdicional, que é imposta pelo Principio da Separação de Poderes.

O Procedimento Administrativo rege-se assim por princípios, alguns deles plasmados no quadro constitucional no art.º 267, que inclui o Principio da Eficiência, do interesse público, da proteção dos direitos subjetivos e interesses dos particulares.
Das conceções de Otto Mayer, seguidas em Portugal pelo Prof. Marcello Caetano sobre o Ato Administrativo como centro gravitacional do Direito Administrativo, surgiram posteriormente, sobre o procedimento, outras teorizações - o procedimento era apenas a sequência lógica necessária ao ato.

A dogmática clássica desvalorizava o procedimento que só realçava a decisão final, comparativamente à formação da vontade no Direito Privado, onde se realça a vontade em si, a ação ou omissão e não a formação da decisão que levou à ação.

A Doutrina Italiana começou a ver o procedimento como alternativa ao ato, considerando duas vantagens: a possibilidade de uniformização do tratamento dogmático de toda a atividade administrativa, onde o procedimento constitui um fenómeno comum a todos os domínios da Administração. A segunda vantagem apresentada era a possibilidade de entendimento da integralidade da atuação administrativa e da transparência da mesma na sua relação com os privados.
Esta doutrina defendia, segundo o Professor Freitas do Amaral, era um valor organizativo, não como uma sequencia de formalidades até a decisão, mas sim uma oportunidade de relação entre os particulares e a Administração, dando enfoque aos interesses relevantes.

Weber alterou o procedimento administrativo de tipo burocrático, transformando-o, e é hoje visto como uma possibilidade de atuação dos particulares na procura da melhor solução para o caso concreto, visando a oportunidade de defender preventivamente a Administração Pública.

O que a doutrina italiana realçou foi que o centro do Direito Administrativo poderia estar, não no ato, mas no procedimento, na formação da decisão em vez de na própria decisão final.

A primeira doutrina inicial que considerava o ato administrativo como centro do Direito Administrativo evoluiu, e dividindo-se em dois grupos: a doutrina italiana que considera o procedimento como centro, e a doutrina alemã que considera a relação jurídica como o conceito central do Direito Administrativo.

Na visão de Maurice Harriou, seguida em Portugal por Marcello Caetano, era uma visão negativista pois nega a relevância autónoma do procedimento considerando a fase graciosa e contenciosa do mesmo. Nos anos 70 há uma autonomia limitada do procedimento pois, apesar de autónomo continua a ser submisso perante o ato. Hoje em dia a doutrina Italiana, entre Mario Nigro e Sabino Cassese adotam a dimensão de que o procedimento é autónomo, tem dimensão própria, fundamento e vale por si mesmo.

A doutrina alemã tem um papel importante no Direito Administrativo comparado pelo art.º 46º do CPA alemão. Este artigo defende quase que exatamente o nosso art.º 163º nº5 alínea b) ou seja, se atingir materialmente o fim o procedimento, a essencialidade do procedimento é degradado em mera irregularidade. Hoje, apesar do artigo 46º do CPA alemão continuar em vigor, já não se aplica na Alemanha, no entanto, o legislador português .

Em Itália não há Código de Procedimento Administrativo, havendo apenas leis avulsas que regulam o procedimento, em contrapartida Portugal tem um CPA (além do CCP e leis avulsas que também regulam procedimentos especiais) que, mais do que o procedimento, regula as relações substantivas entre os particulares e a administração, chegando a ser quase um código administrativo.

A posição adotada pelo Professor Vasco Pereira da Silva passa por concordar que se deveria olhar para o art.º 163º nº5 alínea b) como a Alemanha olha para o seu art.º 46º do CPA alemão, interpretando no quadro das relações substantivas dos particulares com a administração.

A doutrina ainda se divide em dois aspetos, o primeiro no equilibro entre as vantagens e desvantagens de codificação do procedimento, a segunda quanto ao facto de procedimento ser processo.


O Prof. Rogério Soares enuncia desvantagens, como a cristalização de soluções, e algumas vantagens, como a maior eficácia, defesa dos particulares e incentivo à participação dos particulares. O Prof. Freitas do Amaral discorda e argumenta que a regulação do procedimento é uma exigência constitucional pelo art.º 267, nº4 CRP. Já o Prof. Vasco Pereira da Silva concorda com Freitas do Amaral e ainda adianta que é um meio de defesa dos privados perante a administração pública, no quadro das relações jurídicas administrativas.

O Professor Marcello Caetano defende a tese processualista, que compara o procedimento ao processo, equiparando a função administrativa com a função judicial enquanto funções secundárias de aplicação ao caso concreto. Comparando as duas funções, Marcello Caetano compara a função administrativa à judicial, que o autor assemelha com a doutrina francesa do “administrador-juiz” e da conceção rígida da Separação de Poderes. O Prof. Marcello Caetano considera que a atividade administrativa é principalmente uma atividade processual, como tal o ato é definitivo e executório. A Administração aplica autoritariamente a lei no caso concreto, decidindo sobre as pretensões dos particulares, daí a palavra “graciosa” quando há impugnação. O Professor Freitas do Amaral considera errada a expressão “graciosa”, que muitos anos foi usada como “processo ad gracioso”, oriunda dos tempos que o rei concedia, por graça, os direitos pedidos aos particulares.


A tese anti processualista que é defendida por Prof. Afonso Queiró e Prof. Rogério Soares, apontando como argumentos a nova realidade que, enquanto funções executivas que aplicam a lei ao caso concreto, são funções diferentes, uma administrativa e outra jurisdicional. A Administração Agressiva passou a ser Administração Social e Infraestadual, como tal, o procedimento não é imutável, deve antes ser parte de uma realidade flexível tendo em função a decisão do caso concreto.

A escola de Lisboa foi assim influenciada tanto pela visão clássica alemã de Otto Mayer, que constrói o ato administrativo como centro, equiparando-o a uma sentença judicial; como do positivismo jurídico, que vê os atos administrativos e os atos judiciais como a aplicação do Direito, como pela doutrina italiana que vê o procedimento como o centro onde é fundada a decisão para o ato.



Segundo o Prof. Freitas do Amaral os princípios fundamentais do procedimento administrativo são seis:

O primeiro é o caráter escrito, pois a Administração não se compadece com a forma verbal principalmente para conservar e assegurar o registo completo do que se fez, mas sempre observando o corolário da celeridade, eficiência e desburocratização do Principio da Boa Administração.

Outro principio fundamental é o inquisitório, o que se traduz pela administração poder iniciar oficiosamente o procedimento, além da iniciativa particular, pois decorre da função administrativa de prosseguir o interesse público, conjugado com a colaboração da Administração com os particulares, consagrado no art.º 7º do CPA.

O Direito de informação aos particulares que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa enuncia como principio da publicidade, encontra-se previsto na fase procedimental e inclui o direito à consulta do processo e do arquivo.

O mais importante principio é da participação dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem e que constitui uma projeção especifica do principio da boa fé e da participação.

O Principio da Gratuitidade é que o procedimento administrativo, exceto lei especial, é tendencialmente gratuito.

Por ultimo, o dever de decisão da Administração Pública, principalmente em todos os casos quando é pedida pelos particulares, a Administração tem de se pronunciar, não havendo margem para discricionariedade de ação.



O Procedimento tem requisitos, entre os quais a capacidade do requerente (capacidade jurídica de exercício ou por representante voluntário ou legal), a legitimidade do requerente (possibilidade de agir em determinada situação), a competência do órgão administrativo, no prazo (que não tenha caducado ou prescrito).

Existem vários tipos de procedimento, de iniciativa pública ou privada, por exemplo a abertura de concurso público ou o pedido de uma licença; procedimentos decisórios que tem como fim preparar a pratica de um ato e procedimentos executórios, aqueles que não levam à decisão, mas que produzem efeitos quase no imediato, exemplo clássico é de quando a Administração Pública avança com a demolição de um edifício em risco de ruir.

O Procedimento Decisório é composto por fases: a fase inicial pode ser por iniciativa pública, e nesse caso a Administração comunica ao particular, ou por iniciativa particular, como previsto no art. 53º do novo CPA de 2015, através de requerimento escrito à Administração (art. 102º CPA).

Os procedimentos são ainda comuns quando regulados no CPA e especiais quando regulados em lei especial.

Na fase da instrução delimita-se o órgão competente na decisão final, sendo, no entanto, permitido que este delegue a instrução num subalterno ou, tratando-se de órgão colegial, num dos seus membros. Há alguma confusão no artigo, pois parece que a regra que vem no numero um é logo excecional quando se lê o numero dois do art. 55º.

O Responsável pela direção do procedimento é o órgão competente para a decisão final, previsto no art.55º e que dá inicio à fase da Instrução. Olhando para o art.º 55º nº1 com a epigrafe “responsável” e comparando com o nº2 do mesmo artigo,repara-se que o responsável delega ao inferior hierárquico e denota-se uma clara contradição, ou seja, afirma-se um principio e logo em seguida uma delegação obrigatória. Pergunta-se qual é o sentido de fazer primeiro a exceção e depois a regra.

É nesta parte do procedimento que a Administração tem o dever de averiguar oficiosamente todos os factos relevantes para a tomada de decisão, podendo assim recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito. A instrução está prevista nos art.115º e ss, cabendo aos interessados provar os factos que tenham alegado sem prejuízo que o responsável pelo procedimento possa determinar aos interessados prestação de provas.

A Administração pode ainda solicitar pareceres, que são opiniões formuladas por especialistas em matérias sobre as quais incide a sua especialidade, podendo ser vinculativos ou não, dependendo se a lei exige o parecer. Quando os pareceres são vinculativos são uma formalidade essencial do procedimento pelo art. 91º CPA.
Os pareceres têm de ser emitidos no prazo de 30 dias, exceto quando o responsável pela direção do procedimento fixar (mas nunca inferior a 15 dias nem superior a 45, pela redação do nº 3 e 4 do art. 92º CPA)

A fase da audiência dos interessados provém do principio da colaboração com os particulares e da participação dos particulares na decisão administrativa. Ocorre principalmente para que os particulares possam transmitir a sua posição e argumentos e para que a Administração consiga ter em conta todos os interesses positivos e negativos relevantes no caso concreto, atendendo ao principio da imparcialidade.

O Direito de audiência prévia encontra-se no art.º 121º do CPA, tendo os particulares de ser informados sobre o sentido provável da decisão.

O CPA prevê situações em que há dispensa de audiência dos interessados no art. 124º, em caso de urgência da decisão, quando possa comprometer a execução ou utilidade da decisão, quando o numero de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo proceder-se à consulta pública, ou caso os elementos de facto constantes nas fases do procedimento conduzirem a uma decisão inteiramente favorável aos interessados de tal forma que se torne desnecessária a audiência. A audiência pode ser escrita ou oral, devendo o órgão responsável notificar os interessados para no prazo não inferior a 10 dias para se pronunciarem sobre os factos que consideram relevantes para a decisão em causa.

O art. 161º do CPA que prevê a nulidade, no seu numero 2, alínea d), prevê que são nulos todos os atos que ofendam o “conteúdo essencial de um direito fundamental”. Quando comparado com o nº 5 do art.º 267 da CRP podemos ler “O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

A questão é tentar entender se é a violação de um direito fundamental não haver audiência prévia dos interessados. A violação de um direito fundamental consiste em direitos, liberdades e garantias, no entanto, o Professor Freitas do Amaral faz uma interpretação restritiva e considera que apenas os direitos ligados à dignidade da pessoa humana são direitos fundamentais. Outros autores, dizem que a falta de audiência prévia dos interessados consiste num vicio de procedimento. Os tribunais administrativos tendem para a mera anulabilidade,no entanto o Professor Vasco Pereira da Silva considera que, sendo um direito fundamental consagrado na Constituição, quando violado é ofensivo ao conteúdo essencial de um direito fundamental, como tal encaixa no art.º 161, nº2, alínea d).
O art.º 163º nº5 alínea b) do CPA que degrada em mera irregulariedade falhas de procedimento, deve-se aplicar-se sempre que não esteja em causa a violação dos direitos fundamentais.

A audiência deveria ser tomada em conta na sua dimensão material. Segundo a Professora Maria da Glória Garcia, o principio da prossecução do interesse público obriga a Administração a ponderar todos os interesse relevantes para a tomada de decisão, além do reforço dado pelo principio da imparcialidade.

A realidade material tem sido considerada por duas vias: a doutrina alemã defende que viola o principio da ponderação e da razoabilidade como tal é uma ilegalidade material, a doutrina Italiana, pelo contrário, defende que viola o principio da imparcialidade, pois a administração pública tem de ouvir os interessados para considerar os interesses materiais relevantes.


Caso se verifique em consequência da audiência que há aspetos que precisam de melhor apuramento, o órgão pode realizar novas diligências instrutórias, porém, caso altere o sentido provável da decisão terá de fazer uma nova audiência dos interessados.

Pode ainda haver uma fase complementar onde são praticados os atos e formalidades posteriores à decisão como registo, publicação no DRE ou no boletim municipal ou notificação aos destinatários.

A decisão final, que normalmente termina em ato administrativo, extingue o procedimento administrativo. Existem no entanto exceções em que o procedimento pode não culminar em decisão e extinguir, é o caso da desistência, renuncia, deserção, inutilidade, falta de pagamento de taxas ou impossibilidade superveniente.

A desistência ocorre depois de uma declaração do requerente em não prosseguir com o procedimento ou caso este não dê seguimento a um dos pedidos da Administração, exceto se a própria Administração considere que deva seguir com o procedimento por ser matéria de interesse público.

A renuncia é o ato pelo qual o requerente que era titular dos direitos subjetivos que fazia intenção de com o procedimento exercer, os nega. Neste caso o particular deixa de ter o direito na sua esfera jurídica. Exemplificando, um particular pedia uma licença para uma esplanada do seu restaurante, entretanto deixou de explorar aquele restaurante, logo não faz sentido continuar o procedimento quando já não é interessado. Tanto a desistência como a renuncia encontram-se no art. 131º como causa de extinção do procedimento por pedido do requerimento.

A deserção, prevista no art. 132º CPA, é quando o procedimento está parado por mais de seis meses por motivo imputável ao requerente e a lei presume que este perdeu o interesse no procedimento.

As taxas ou despesas, apesar do principio da gratuitidade previsto no art. 15 do CPA, são sempre inerentes aos requerimentos de iniciativa particular, ou seja, caso o particular não proceda ao pagamento num determinado prazo, o procedimento é extinto segundo o art. 133º CPA, a não ser que o pagamento seja feito pelos particulares, no dobro da quantia prevista, no prazo de 10 dias seguintes do termo fixado para o seu pagamento.
Outra causa de extinção do procedimento é a impossibilidade ou inutilidade superveniente, prevista no art. 95ª CPA, que contempla os casos em que se verifique que a finalidade ou o objeto da decisão se tornaram inúteis ou impossíveis, como tal, o órgão competente para a decisão pode declarar, desde que fundamentada, a extinção do procedimento, sendo esta passível de ser impugnada nos termos gerais

Como o Professor Freitas do Amaral diz “deu-se uma pequena grande revolução” que consiste no direito à audiência dos interessados prevista nos artigos 121º e ss. Hoje em dia os tribunais têm afastado atos com total preterição de audiência prévia e esta realidade, nos anos 80, seria completamente utópica.

Com o artigo 163º, nº5 al. b), evidencia-se nitidamente como o legislador ainda não se libertou do pensamento “atocêntrico” , degradando as exigências procedimentais se o fim visado for alcançado por outra via em mera irregulariedade.


Ana Gavilan, nº25715

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